Terça-feira, 18 de Março de 2014

A Floresta deve ser motivo de reflexão diária

 

 

A Floresta deve ser motivo de reflexão diária   

 

Nesta semana comemoram-se uma série de dias, todos eles interligados, iniciando-se com o Dia da Agricultura (20 de Março), Dia Mundial da Floresta (21 de Março), Dia Mundial da Água (22 de Março) e encerrando com o Dia Mundial da Meteorologia (23 de Março). A Associação de Protecção e Conservação do Ambiente – APCA, entende que as comemorações são importantes, mas o preconizado nas mesmas deve ser uma prática diária dos organismos e seus responsáveis e neste âmbito não pode deixar de fazer um balanço da situação no Minho, depois dos incêndios que no último fim de semana dizimaram uma área muito significativa da Serra de Santa Luzia em Viana do Castelo.

De Melgaço a Vizela ou de Esposende a Cabeceiras de Basto a situação da Agricultura é deveras preocupante, salvo raríssimas e louváveis excepções, muito pontuais, que não deixam de ser importantes, enquanto exemplos demonstrativos de que é possível inverter-se a presente situação, mas sem expressão, em termos percentuais, na área total dos espaços agrícolas minhotos nos quais se insere a Floresta Minhota, é notório o estado calamitoso em que se encontra em particular a FLORESTA. Alerta-se para as barbaridades que têm sido praticadas e continuam a cometer-se no que diz respeito à destruição de óptimos solos com elevada aptidão agrícola, ao serem utilizados para edificação. Reafirma-se que o combate à corrupção num Estado de Direito Democrático passa por acautelar-se prevenindo-se as transformações meteóricas de terrenos agrícolas em terrenos com capacidade edificativa, de que um dos exemplos mais marcantes, entre outros, na última década é a surpreendente operação levada a efeito no já conhecido caso de estudo do Engenho do Maneta no Perímetro de Emparcelamento das Veigas de Afife, Carreço e Areosa. Não faz sentido falar-se em combate à corrupção se continuarem por esclarecer este e outros casos nebulosos, que descredibilizam os políticos, manchando e em nada dignificando os 40 anos de democracia portuguesa alcançada com o 25 de Abril.

É inquestionável, para a APCA, que a Floresta Minhota é um dos recursos naturais da região, mais importantes, no desenvolvimento e sustentabilidade deste espaço territorial, destacando-se o relevo da fileira florestal do Minho, na economia regional, assim como entre as suas múltiplas valências, o papel de sorvedouro de CO2 (Dióxido de Carbono), num momento em que as alterações climáticas estão na ordem do dia em termos mundiais. Contudo a importância deste recurso natural renovável, nas estratégias de desenvolvimento e sustentabilidade minhotas, ou não tem sido considerado ou simplesmente é-lhe atribuído um papel secundário ou mesmo residual, entendendo a APCA que a alteração deste quadro impõe a adopção urgente de um conjunto de medidas de que destacamos as seguintes, conforme temos vindo, ano após ano, a divulgar:

·         Adequar a nossa floresta às alterações climáticas em curso, sem esquecer as especificidades regionais e locais;

·         Emparcelamento das propriedades florestais de forma a ganharem dimensão;

·         Contrariar a dispersão e abandono das explorações florestais;

 

·         Inversão do abandono das práticas agrícolas ligadas ao ciclo de estrumação das terras com mato, associado ao despovoamento humano / migração, adubos químicos, etc;

 

·         Incentivo de práticas agrícolas suportadas na utilização de adubos naturais, tais como o mato e sargaço;

·         Incentivos que evitem o abandono das explorações agrícolas, particularmente, no interior do Minho, onde a situação é muito preocupante e com reflexos muito graves por exemplo no Parque Nacional da Peneda Gerês;

·         Melhorar e incentivar a limpeza e intervenção cultural dos povoamentos, que acumulam matéria combustível no sub-bosque, dado facilitar a propagação de incêndios;

·         Entre outras medidas incrementar-se o aproveitamento energético da biomassa florestal;

·         Reduzir a monoespecificidade e continuidade dos povoamentos de pinheiro bravo;

·         Melhorar a insuficiente ou inadequada rede viária e divisional instalada;

·         Controlo do aumento das áreas de matos / incultos e destruição dos povoamentos;

·         Obstar à expansão de infestantes, concretamente da Acacia longifolia, a partir dos sistemas dunares compreendidos entre os rios Minho e ribeira do Alto (Apúlia);

·         Disciplinar e melhorar a eficácia do combate de incêndios e o negócio que implica directa e indirectamente;

·         Na época crítica de incêndios colocar pulseiras electrónicas nos indivíduos já identificados e que sistematicamente incendeiam as matas (fica muito mais barato ao país pagar umas férias a estas pessoas, por exemplo em Cuba, do que permitir que continuem a pegar fogo a Portugal);

·         Disponibilizar mais meios humanos e materiais às equipas de investigação dos incêndios, concretamente, às equipas da Polícia Judiciária que vão para o terreno, de forma à sua acção, para além de dissuasora e preventiva, seja também mais eficaz reduzindo o tempo na detenção de eventuais e potenciais incendiários;

·         Constituição duma base de dados de incendiários e potenciais incendiários com acompanhamento dos indivíduos identificados, pelos organismos competentes de forma articulada dos Ministérios da Justiça, Segurança Social, Saúde e Administração Interna;

·         Existência de equipas devidamente habilitadas para em articulação com pastores efectuarem queimadas controladas, evitando-se as queimadas descontroladas;

·         Agilizar os processos judiciais que implicam práticas criminais na área dos incêndios de forma a que o sancionamento social seja desincentivador. Porque não parte das penas com trabalho comunitário de reabilitação das florestas que destruíram?

·         O exercício da actividade florestal deve ser devidamente regulamentada e as empresas do sector devidamente certificadas para o exercício da actividade. Com todo o respeito que nos merecem estes profissionais não podemos continuar a permitir que um individuo compre uma motosserra e um tractor e já seja um empresário da fileira florestal, vulgarmente designado por madeireiro;

·         Estes profissionais devem estar devidamente registados nas câmaras municipais para o exercício da actividade florestal de forma a controlar-se e responsabilizar-se os diversos intervenientes na Floresta, concretamente, no que diz respeito à utilização de caminhos e desembaraçamento de produtos sobrantes (cascas, ramos, etc.) normalmente abandonados,

  

  ·         constituindo um grave problema enquanto combustível;

·         A actividade de corte de madeiras, na nossa óptica, deverá ter subjacente uma gestão partilhada entre a Junta de Freguesia como entidade local e a Câmara Municipal através dos Gabinetes Técnicos Florestais, enquadrada obviamente numa perspectiva regional pelas CIM’s e em termos nacionais pelo organismo competente para o efeito do ponto de vista florestal;

·         Entendemos, genericamente, que após um incêndio deve ser interditada a caça nesses locais por um período de tempo que permita a recuperação florística e faunística dos mesmos. Sendo apenas aberta após uma avaliação do estado de recuperação da área ardida;

·         As reservas de caça, independentemente do seu estatuto, devem ter em permanência vigilantes nos períodos mais críticos de incêndios ou sempre que seja entendido pela entidade competente pela gestão da caça. Estamos convictos que esta acção preventiva diminuirá muito o número de incêndios;

·         O gado (equídeos, bovino, caprino, ovino, etc.) solto na serra deve estar devidamente identificado e com responsáveis devidamente identificados e licenciados para esse tipo de práticas. O gado que não se encontrar em situação legal deve ser de imediato recolhido e reverter a favor do Estado. Este controlo deve ser efectuado pelos veterinários municipais em articulação com os Gabinetes Florestais e as associações de produtores.

 

Entende a APCA que não é necessário gastar-se mais dinheiros públicos em mais diagnósticos sobre a Agricultura e Floresta do Minho, os existentes já são mais que suficientes. Não são necessários mais gabinetes ou comissões para se repetirem e sobreporem-se nas tarefas que exercem. A Agricultura e Floresta do Alto Minho precisam de acções concretas, que de uma forma estruturada e planeada definam e calendarizem o tipo de floresta que melhor se adequa ao desenvolvimento auto-sustentado do Minho e a sua gestão integrada, tendo subjacente os serviços de ecossistema nas suas valências de produção, suporte, regulação e culturais.

A título de exemplo, analise-se e reflicta-se sobre o que se fez nos últimos 20 anos, por exemplo no Parque Nacional da Peneda Gerês, na Serra da Cabreira, na Serra de Arga e em tantas outras serras do território minhoto. Por exemplo na Serra de Santa Luzia, estes vinte anos, alguns analistas enquadram-nos no período “mais negro de sempre” e dilacerante da floresta deste espaço territorial. Após os trágicos incêndios de 1998 e 2005 relembra-se que no concelho de Viana do Castelo arderam cerca de 70% dos 12978 hectares da área florestal deste concelho, ou seja, um terço da área total deste município. Considerando os milhões de euros investidos, na última década, como por exemplo na Serra de Santa Luzia, impunha-se conhecer o porquê do sucedido, como salvaguarda do futuro e prestação de contas sobre a aplicação dos dinheiros públicos.

Depois de muitas reuniões e tal como vem sendo habitual ficou tudo na mesma, com umas operações de “cosmética florestal ” nos sítios mais visíveis, para que não dissessem que nada foi feito, mas sem que se vislumbrasse uma visão integrada e pensando no futuro. Infelizmente os resultados estão à vista e a Serra de Santa Luzia já foi este ano mais uma vez martirizada pelos incêndios, porventura com mão criminosa, não obstante espera-se que todos os responsáveis estejam conscientes que estamos provavelmente num pico do ciclo dos incêndios na Serra de Santa Luzia. Ninguém quererá, certamente, que se repitam os números de 2005 em que foram registados no Alto Minho 2426 incêndios, de que

 

resultou a combustão de 15439 hectares de povoamentos e 11629 hectares de matos, portanto um total de

27068 hectares que representa cerca de 35% da área total florestal do Alto Minho. Note-se que cerca de 30% da área total ardida no Alto Minho teve lugar no concelho de Viana do Castelo, o que evidencia que porventura não será com o tipo de investimentos efectuados e práticas desenvolvidas, que se consegue debelar ou pelo menos minimizar o dizimar cíclico do Minho pelos incêndios, salientando-se que em 2005 a área ardida no concelho de Viana do Castelo mais que duplicou os valores de 1998, em que arderam 4048,5 hectares. A manter-se tudo na mesma, e considerando as linhas de tendência reveladas pelas séries estatísticas existentes para este espaço territorial, estaremos porventura em 2014, conforme temos vindo a alertar sistematicamente desde 2005, a lamentar novamente a área ardida. Desde, 2005, que a APCA alerta para esta possibilidade, cuja probabilidade é elevada. Pergunta-se, o que foi feito até agora?

Genericamente a floresta do Alto Minho necessita que cada organismo desempenhe as competências e atribuições que a lei lhes confere, sem sobreposições ou competições descabidas e inaceitáveis. A Floresta não precisa de competições de organismos para saber “quem manda mais” ou consegue captar mais fundos comunitários para se auto-sustentarem. A floresta precisa apenas de um organismo da administração central ou regional, que coordene e fiscalize as acções de produção, exploração, conservação e gestão da floresta, que por sua vez são incumbências e responsabilidades dos proprietários da floresta, que para o efeito se devem associar. O Estado, através da administração pública (central, regional ou local), apenas tem que definir regras e exigir que os titulares da floresta as cumpram e sancionar levando à barra da justiça os prevaricadores, pelos actos de omissão e ou negligência que praticaram no exercício das suas funções e que se demonstrem lesivos do interesse público. O combate à corrupção também passa por uma actuação nestes domínios. Tomando como exemplo a Serra de Santa Luzia em que 99,99% é privada, e considerando, ainda, as dezenas de milhões de euros públicos investidos, nesta serra, será que alguém já teve o discernimento de fazer um balanço de benefícios e custos? É evidente que se alguém fizer esse balanço chegará a valores negativos impensáveis, todavia continua-se a cometer os mesmos erros nas acções empreendidas e sem se apurarem responsabilidades.

Proteger-se a Agricultura e a Floresta, agir sobre estes espaços de forma inteligente, é também uma forma de se comemorar o Dia da Água e da Meteorologia atendendo ao papel que as primeiras têm no âmbito dos recursos hídricos e na amenização climática da região. É um trabalho de todos para todos, onde ninguém pode ficar de fora, particularmente, aqueles que representam o Povo Minhoto, que infelizmente parecem andar mais preocupados com a sua promoção pessoal do que com os problemas reais das populações que representam. As acções pontuais por muito louváveis que sejam nunca deixarão de ser um mero paliativo, impondo-se acções concretas se queremos valorizar a Agricultura Minhota, recuperar e conservar a Floresta, proteger os recursos hídricos e preparar-nos para as alterações climáticas em curso. O tempo não é para pretensos defensores do que quer que seja, cujos resultados já conhecemos, mas para acções concretas que incrementem um desenvolvimento equilibrado, inteligente, estruturado, inclusivo e sustentável do Minho, pensando nas gerações do presente e futuras.          

 

                                                 Afife, 21 de Março de 2014                                                 

  A Direcção da APCA

 

publicado por afifeambiente às 16:48
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